Diários da Pandemia – 500 dias em casa

por Daniele Polis
500 dias em casa

São Paulo, 31 de julho de 2021.

Hoje completamos 500 dias em casa. Na cidade de São Paulo o decreto da quarentena chegou mais cedo do que no Estado – desde o dia 20 de março foi decretada a restrição de circulação, e desde 19/03/2020 estamos em casa. E eu lembro bem dessa data porque foi exatamente um mês antes do meu aniversário.

Eu lembro de me despedir do meu time no escritório, e uma das meninas dizer “acho que demora umas duas semanas, né?”. Eu na hora ri e falei “com sorte em setembro”. Mal sabia nós todos que estávamos sem sorte.

No final, viver história é horrível.

Essa provavelmente foi uma das frases que mais falei na pandemia. No começo era um pânico, mas eu pensava que era uma situação temporária – na minha cabeça no final do ano tudo estaria bem, ainda mais vendo que países que passaram pela pandemia estavam voltando ao normal. Mas aqui a gente tem uma comorbidade – ser brasileiro. E a situação político-econômica acabou influenciando demais a cabeça de todo mundo – ainda que eu tive sorte de não ter tantas baixas quanto outras pessoas tiveram. E foram muita baixas – de saúde, de luto, de dinheiro, de relações e tantas outras que é até difícil escrever e enumerar.

Eu passei por todas as fases. Eu no começo comecei a escrever um diário, onde todo dia eu colocava o que sentia, mas parei depois de alguns dias. Porque mesmo escrever me fazia mal, eram muitos sentimentos dentro de mim que estava difícil lidar com tudo.

Então eu fui pro ramo do otimismo, pra tentar manter tudo centrado porque iria passar em breve. Pelo menos esse era o mantra que eu e meia dúzia de amigos super próximos repetíamos à exaustão todos os dias – e a gente ainda lembra um ao outro eventualmente. Mas era difícil se manter centrado quando você estava preso em casa, privado do contato com outras pessoas e sem ter uma data certa para tudo acabar. E mesmo assim eu segui. Até vídeo sobre trabalhar em casa eu fiz.

E todos esses 500 dias têm sido uma montanha-russa maluca que a gente está sem ter escolhido entrar. Eu já passei por todas as fases – exercício, terapia, estudo, choro, gula, desespero, calma, sonho e tantas outras coisas que acho que não sei nem inumerar.

A virada do ano 2020/2021 foi especialmente difícil, porque eu estava com esperança de que tudo estaria bem, mas a realidade que a gente via era o colapso que virou notícias e mais notícias das pessoas literalmente sem ar. Depois a notícia de que meu pai estava com COVID (mesmo sentindo só uma dor no corpo, eu tinha medo dele piorar consideravelmente). E quando eu via vacina começar a ser aplicada, as coisas com previsão de melhora, veio talvez a porrada mais difícil desses 500 dias – eu perdi um amigo de idade próxima à minha que partiu depois de quase dois meses de internação.

Eu até agora não sei processar ainda essa informação. Para mim eu ainda acho que foi um pesadelo, que qualquer minuto eu vou abrir o whatsapp e vai estar tudo bem. Que nosso grupo vai se reencontrar de novo, como foi em 2017. Mas não. A pessoa que conheci por mais de 15 anos se foi mesmo.

E isso que foi o pior da pandemia – não poder se despedir. A gente viu só esse ciclo se fechando na nossa cara e não podia nem dizer adeus. Eu perdi dois amigos, e uma amiga perdeu o marido, e a gente não pôde ir se despedir, muito menos dar um abraço na família. O apoio teve que vir de formas fisicamente distantes, mas emocionalmente mais perto. Ainda é complicado lidar com isso, confesso.

E os próximos 500 dias?

Honestamente? Não sei. Como diz a minha tatuagem nova, um dos meus luxos da quarentena, “Go with the flow”, siga o fluxo. É exatamente isso que estou fazendo, vivendo um dia por vez. Um dia bem, outro mal, mas seguindo em frente.

Resolvi fazer coisas que pudessem melhorar meu bem-estar. Investi em bastante equipamento de trabalho e produção de conteúdo. Comecei a comer bem, e hoje afirmo com certeza que estou comendo bem melhor do que antes – mesmo estando gastando mais dinheiro do que antes. Estou também tomando vitaminas e me exercitando mais regularmente – um dia exercício mais pesado, nos dias mais difíceis prática de ioga para aliviar a cabeça. Voltei a estudar, minha pós devo concluir em setembro. Fora os cursos extracurriculares.


A gente segue fazendo que dá.

Confesso que agora que tomei a vacina, um peso gigante saiu das costas. Eu vejo que meus amigos estão quase todos com a primeira dose, meus pais, padrasto e avó com as duas doses, isso me tira tanto das costas. A morte sempre foi um dos meus maiores medos, e morrer sozinha sempre foi a coisa que sempre me deixou apavorada.

Talvez esteja num momento de letargia? Talvez. Eu tenho me alienado com esportes – NBA, NHL, Olimpíadas e tudo que passa, não assisto jornal há mais de ano, e para mim está funcionando. Eu posso me dar o luxo de seguir trabalhando em casa, sem corte de salário (apesar de não ter tido reajuste nenhum e tudo estar subindo muito de preço), com minha família saudável e bem. Não posso reclamar. Quer dizer, eu posso sim, mas estou tentando não seguir por esse caminho.

Estou pensando nas coisas que quero fazer quando isso tudo passar. As festas com os amigos, abraçar todo mundo, ir pra casa do meu irmão de novo, cair no mundo. Voltar ao Japão e conhecer a Grécia. Não sei. Eu não sei mais o que esperar, ao mesmo tempo que quero ter sonhos para motivar a seguir, tenho medo de não conseguir fazer nada disso.

Sentimentos conflitantes. O tempo todo.

Estamos todos assim, e está tudo bem. Estamos vivendo algo que nem o mais pessimista dos seres pensou que iria viver. Sigo dizendo – viver história é muito ruim, melhor só estudar mesmo.

Até o dia 17 de agosto todo maior de idade de São Paulo vai estar com pelo menos uma dose. Esse tipo de coisa que me faz acreditar. Sabe aqueles filmes que a gente sobrevive ao fim do mundo? Me sinto meio assim. Tô doida para chegar no momento que a paz vai chegar e a nova vida vai recomeçar. Depois de tudo isso, acho que estou pronta.

Enquanto isso, sigo repetindo para todo mundo e para mim mesma:

Fica bem. Vai passar.




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