Turismo em Debate: Transporte Público

O tema do turismo em debate deste mês é o transporte público – e sua falta de qualidade.

Eu não escrevi nos outros meses, mas neste eu fiz questão de participar, por ser um tema que me envolve diretamente. E eu explico o porquê.

Eu nasci em São Paulo e moro em Itaquera desde sempre. Pra vocês terem ideia, o terreno, na época em um bairro sem nenhuma infraestrutura, com pouquíssimas casas e muito mato, foi cedido pela prefeitura aos meus pais, que pagaram somente o valor da empreiteira. Eu vi ali crescer lentamente até meados de 2003; depois dia foi cada vez mais rápido. E a gente podia perceber isso pelos valores dos imóveis, pelo comércio de grandes redes que cresciam ali e pelo trânsito de pessoas que aumentou consideravelmente.

E foi com muito desgosto que eu vi ser anunciado, ano passado que ali em Itaquera seria o estádio de futebol do Corinthians e o estádio de futebol da Copa.

Não vou entrar em questões políticas nem de preferência de time; porque a primeira já está na mídia, a segunda diz respeito à cada um. Mas afirmo aqui, como já afirmei em diversas outras oportunidades, que mesmo se fosse o estádio do meu São Paulo eu seria terminantemente contra a construção de mais um estádio em uma cidade que já tem quatro (Morumbi, Pacaembu, Palestra e Portuguesa). Ou seja, dinheiro investido sem necessidade alguma em uma região que precisa de muito mais do que estádios.

A região não tem infra-estrutura adequada para receber nenhum tipo de evento. De nada. O crescimento desordenado resultou numa população carente de tudo que se possa imaginar. Os empregos estão há muitos quilômetros de distância, a saúde é precária e a segurança é ineficiente.  Quando dizemos então do transporte público então, nem se fala.

A Zona Leste é um grande hotel, de forma geral. Muitas pessoas demoram mais de uma hora, eu repito, uma hora, para conseguirem chegar ao metrô do extremo leste para então prosseguirem para seus trabalhos, geralmente nas zonas Sul e Oeste, e no qual demoram mais de uma hora para chegarem ao seu destino – e isso se estiverem de metrô. Se estiverem de carro é muito mais!

A vida de um morador de Itaquera e adjacências é levar de duas a três horas de casa ao trabalho. E isso enfrentando metrôs lotados, ônibus que não comportam a quantidade de pessoas e o desrespeito de muitos ali, que querem também chegar em seus compromissos. Mas nenhum desrespeito é tão grande quanto da gestão pública com a sua  população.

E ainda me resolveram colocar um estádio. Sempre escuto “mas o estádio vai trazer melhorias e blá blá blá”. Pode até trazer alguma, mas as pessoas se esquecem que, diferente de outras sedes, não será um estádio pra copa, será um estádio para uma das maiores torcidas do país. E no dia em que tiver jogos às 7 horas da noite? Quem mora na região e não se interessa pelo esporte tem que sofrer (ainda mais) as consequências de um governo que não pensou em nada de infra-estrutura na hora de decidir aonde construir o estádio desnecessário?

Para chegar até o local existem 3 meios: metrô, trem e via Av. Radial Leste. O metrô e o trem dividem os passageiros que optam pelo transporte público; pessoas que são do extremo leste (sim, aquelas que vão enfrentar mais uma hora ou mais de trânsito) ou que moram na Grande São Paulo (como Ferraz de Vasconcelos, Mogi das Cruzes e Suzano). A Radial Leste, além de atender os corajosos que pegam os ônibus, ainda atende aos mais corajosos ainda que resolvem pegar o carro. E antes a situação era menos pior por conta dos diversos ônibus fretados absorverem passageiros de carros e transporte, até a Prefeitura de São Paulo ter a “brilhante” ideia de restringir a zona de acesso (como eu postei aqui) em 2009. Hoje, leva-se em média duas horas para rodar 20km. Pedalar? Seria uma opção, pois a extensão da Radial Leste tem ciclovias. Mas pedalar cerca de 30km para chegar até parte do caminho não resolve muito o problema né? A ciclovia hoje existente fica para lazer – o que, de alguma forma, já é bom.

Hoje já é uma loucura para conseguir sair de casa e chegar de casa. Sem um estádio, sem evento nenhum. E quando tiver? Que milagre a Prefeitura, o Governo e o Estado vão fazer para evitar com que tumultos aconteçam, muitos acidentes ocorram e que cidadãos tenham segurança? O que vão fazer para dar um pouco de qualidade de vida, ou pelo menos não aumentar a falta dela, à pessoas que gastam em média de 5 a 6 horas por dia somente no trajeto entre a casa e o trabalho?

E aos que me chamam de pessimista, eu os convido à pegar um metrô na Estação Sé, às seis horas da tarde, para ver se falamos de pessimismo, descaso ou qualquer outra coisa do gênero. Com certeza será a situação mais inesquecível da sua vida.

Não estou menosprezando o metrô de São Paulo. Ele é o melhor do Brasil, disparado. O problema é não ser suficiente. Hoje, eu trabalho fora do horário de pico e sou a pessoa mais feliz do mundo por isso. Porque eu já sofri muito por trabalhar em horário comercial. E continuo vendo como as pessoas sofrem todos os dias, seja pelas histórias do meu irmão, seja pelos noticiários na TV.

Temos cerca de dois anos para mudar uma cidade que está assim por conta do crescimento desenfreado e do descaso do governo de décadas. Como conseguir fazer de São Paulo uma cidade exemplo no transporte público? Como fazer com que todo dia seja um dia sem confusões, “empurra-empurra” e discussões aos trabalhadores e turistas que giram a economia? Eu não vejo como.  Mas torço, de coração, pra que me provem que eu esteja enganada.

Crédito das foto: Folha de São Paulo e Estado de São Paulo